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CONTOS PUBLICADOS EM LIVRO

Estes pequenos contos estão publicados em colectâneas, conjuntamente com outros escritores e por diversas editoras.

Envolve-te comigo!

 

Entrei apressada, mas com o à vontade de quem entra em casa e rodeada de uma imensidão de corpos calorosos e barulhentos, senti-lhes o jeito da descontracção de quem quer passar um momento agradável. Dei mais alguns passos, desferi o meu olhar em direcções desordenadas, em busca de um lugar para me sentar e finalmente sentei-me, ali, exactamente ali. Naquela cadeira que me alvitrava uma verdadeira poltrona de tão envolvente que era. A mesa em estilo clássico e antigo, com o seu ‘q’ de velhice, mas bem conservada, mais parecia uma peça de museu. E foi nesse lugar que escolhi, sem saber porquê, que me encontraria mais tarde com ele.

 

Olhei novamente em meu redor e reparei que todos se concentravam nas suas companhias, mas e eu? Como poderia partilhar daquelas cumplicidades, se estava sozinha. A outra cadeira, quase milimetricamente posicionada à minha frente estava ocupada pela imensidão do vazio, apesar da sua cor rubra e quente me trazer algum alento…eu estava só. Do canto, senti o sopro de uma brisa com ligeiro aroma a cerne de madeira queimada. Era a lareira que se salientava bem lá ao fundo e da vidraça que corria ponta a ponta aquele espaço, via-se a chuva miudinha e irreverente, que raramente caía de forma certa e que me molhou até eu entrar naquela porta. Voltei a concentra-me no meu conforto que parecia paradoxal, com aquela paisagem magnífica para os jardins pintados de verde amarelado. Ali, bastava uma simples parede de vidro para me distanciar daquele tempo típico de final de Outono. Estava fria, orvalhada e pensei, como me apetecia algo bem quente, mas indefinidamente bom. Nesse instante, uma voz ténue e singela me saudou e me estendeu um rol de opções, impossíveis de resistir, para meu deleite…e com a calma de quem quer fazer render o tempo…percorri com um olhar leviano todas as opções possíveis de pedir, várias vezes e…pedi-o.

 

Ela trouxe-o…e ele aproximou-se, lentamente, como que a flutuar, parecia dançar, entre todos que o rodeavam. Dirigiu-se a mim, olhei-o fixamente, ele estava calmo, mas ardente e o meu olhar denunciava o mais puro desejo de o tocar. E quase sem pedir, entrou na minha boca, tocou a minha língua de uma forma única. Caminhou dentro de mim…deixou um rasto fervorosamente quente e um travo voluptuoso. “Quero outro”, pensei…”sim, quero mais” porque só um não chega. E mais uma vez fez-se sentir em mim. A cada gole uma envolvência, uma sensação única. Todo o seu sabor, sim o seu sabor era verdadeiramente delicioso. Uma delicadeza forte, recheada de um prazer mundano, com um gosto nu de sacarinas, mas vestido de trilhos arábicos. Seria daquele dia, ou não, certo é que nunca tinha experimentado nada assim. Este era mesmo especial e estava no ponto…quente, curto e forte, tal como gosto!

 

Porém, finda esta golada de prazer, abri a minha mala e vasculhei as suas entranhas, entre carteira, chaves, batons e telemóvel, até que encontrei o livro, aquele que comprara dois dias antes, numa livraria na baixa da cidade e do qual apenas tinha lido as primeiras 122 páginas, de um romance intenso e possessivo e que me desassossegava a cada página nova.

 

Abri-o, folheei até à minha marca, como se me deliciasse novamente, com os trechos do que já havia lido. E continuei a minha voraz leitura. Mas estranhamente, os meus olhos desviaram o olhar das palavras e fixaram-se naquela vidraça, distanciando-me do antipático Outono, que ainda se fazia sentir lá fora. Fiquei a olhar para o infinito. E num momento pensei…”E se conseguisse degustar cada palavra deste livro? E se cada folha fosse feita de chocolate?”. Uma fina camada de cacau intercalando fólios tecidos de chocolate preto e de leite e se as letras…sim, essas que quando se juntam formam cada palavra que lemos, tivessem um travo a café, aquele intenso sabor que nos faz esquecer que nem tudo corre como queremos…mesmo, igual àquele que havia tomado minutos antes. Enlevo-me só de voltar a imaginar, aquele segundo em que o bordo da chávena toca os lábios e logo de seguida se sente aquele líquido quente e forte a inundar as nossas papilas gustativas, que maravilha, só de lembrar, deixa mesmo um pequeno travo a loucura, uma loucura sã.

 

Entre estes devaneios criativamente loucos e outros que guardo numa gaveta do meu pensamento, ouço novamente uma voz, mas desta vez mais encorpada e forte…”Desculpe, mas não pude deixar de reparar que estamos a ler o mesmo livro. Posso perguntar-lhe o que acha?” Olhei em direcção à voz e naquele instante de ajuste de luz entre a vidraça e o interior à média luz, comecei a vislumbrar um corpo alto, de rosto moreno, com óculos cor dos seus olhos escuros e dedos delgados. Reparei nos dedos porque quando me virei para responder, deixei escapar o livro das minhas mãos e fomos os dois em socorro dele, como se o chão jamais pudesse tocar aquelas selectas páginas, nem esmagar uma só palavra. E afinal as nossas mãos é que se tocaram. Eu corei e acho que ele também. Foi um momento embaraçoso, mas estranhamente bom. Apesar da procura incessantemente rápida das minhas melhores palavras para lhe responder, não consegui nada melhor que lhe dizer “é um romance muito apetecível”. O seu olhar sorridente avalizou a minha intuitiva opinião e eis que começámos uma conversa enfatizada pelos excertos que considerávamos mais interessantes, as frases mais marcantes para cada um, enfim, uma conversa natural de dois amantes daquelas letras. A sala estava repleta de corações partilhados e nós estávamos os dois despojados de companhia, ao que me pareceu lógico e por demais conveniente convidá-lo a sentar-se. Estaria eu a acompanhar o passo que ele tinha dado? Talvez sim.

 

Na viva vontade de se acomodar na poltrona rubra, que ainda se mantinha à minha frente, agora inundada pelo seu corpo esguio, ouvi-o pedir um ‘café arábico’ e pensei “curioso, exactamente igual ao meu”. O timbre daquele aroma chegou e envolveu as nossas palavras e estas envolveram-nos no tempo. Como se aquele café, que foi meu e agora era dele, fosse a alma combustível para uma viagem às nossas histórias lidas.

 

Naquela tarde já não havia chuva, já não havia gente, nem havia tempo, apenas nós e as nossas histórias. Tudo o resto era mesmo paisagem. Da qual não tirávamos partido algum. Lembro-me de lhe falar, na minha ideia loucamente boa do livro ser feito de chocolate com aroma a café e jamais me esquecerei do seu sorriso atónito, mas de quem gostou da ideia e parecendo até que já lhe conseguia sentir o sabor.

 

Alheados daquela realidade obrigatoriamente presente, marcámos um café para o dia seguinte, no mesmo local à mesma hora. Guardei o meu livro na mala e quando me virei de volta, a poltrona estava vazia. Sobressaltada, pensei se toda a conversa com ele seria fruto da minha imaginação. Depois de tanta leitura divagada, até seria possível. Mas certo é que um chapéu-de-chuva robusto e preto estava estatelado no chão, do lado direito da poltrona rubra agora novamente vazia e no topo da mesa sobressaía debaixo da chávena do café arábico, agora apenas com vestígios gélidos e desprovidos de intensidade, mas guardando as marcas de ter sido saborosamente bebido, um guardanapo que dizia em tinta de caneta preta…“um café e um amor quentes por favor”. Era uma das minhas frases favoritas, mesmo desconhecendo o autor.

 

O que teria sido afinal? Uma fiel fantasia ou uma verdade concebida?

 

Quis alimentar a minha alma e acreditar que na verdade aquela frase era dele. E não querendo faltar ao combinado, devaneio ou não, no dia seguinte lá estava eu em frente à mesma vidraça, pensando se ele iria aparecer, ou se seria apenas e só uma personagem criada à luz do meu coração arrefecido, que esperava por calor.

 

E enquanto aguardava ansiosamente a sua dúbia chegada, pedi de novo um arábico, e fui acalentando o meu secreto e falacioso coração.

 

Noka

 

 

Vou só, mas levo-te comigo!

 

Enquanto degustávamos um manjar delicioso, de sandes bem recheadas, acompanhadas por panadinhos e afins e de copos de plástico na mão, deitados nas mantas coloridas, naquela grama verdejante, onde reflectiam uns belos raios de sol…conversávamos sobre destinos de férias…já que elas se estavam a aproximar, apetecia mesmo pensar já em algum destino que nos permitisse desfrutar de um belo descanso. E claro cada um foi abordando um ou outro destino, cá dentro, lá fora…mas alguém se lembrou de perguntar algo bem diferente. Qual seria a nossa viagem de sonho? Aquela viagem que talvez até mudasse as nossas vidas…o que teria que ter de tão especial, para ser um sonho…o nosso sonho?

Começa logo a Gaby, sempre muito extrovertida, por dizer que mais que um sonho, seria uma mudança de vida e que gostaria até de ir morar para o Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, “porque me cativa” dizia ela e acredito que também gostava certamente de estar no ‘Burj Dubai’, o arranha-céus com maior altura do mundo...ufa…deve ser uma sensação única, pensei! Referiu ainda gostar muito de ir passar “umas valentes férias” às ilhas Maldivas…pensei logo, é na Ásia…vou contigo! A Gaby continuou a falar, mas inadvertidamente não consegui prestar atenção ao que ia dizendo, pois já me imaginava a flutuar naquele mar, que tem cores que nem no arco-íris aparecem…já me sentia maravilhosamente feliz…como ‘peixe dentro de água’.

 

Mas a Maria, cortou-me esse pensamento quando referiu que sonhava em ir na altura do ano novo a New York city…”acho que seria uma experiência mágica…o frio, a neve, o Rockefeller Center…em Midtown, Madison Square Garden e o calor da pessoa que amo…”, até eu já estava a ver que do aconchego do seu romantismo, só poderia haver um sonho assim…tão, tão doce e amoroso. E apesar de ser do calor para o frio, não deixava de ser uma ideia que me agradava e muito, deixar de lado o biquíni e passar a usar casaco, cachecol e gorro…num espaço grandioso como é o Rockefeller, que até dizem parecer ‘uma cidade dentro de outra’ e era isso mesmo que iríamos comprovar!

 

Quase interpelando a Gaby, que concordava com a Maria e dizia ser realmente uma ideia muito romântica, diz o destemido, mas pacato Jony “eu queria mesmo era fazer um cruzeiro…isso é que era…é um espaço tão pequeno, onde se pode fazer basicamente tudo…e isso fascina-me…ah e também gostava muito de ir ao Brasil”…e não adiantou muito mais. Bem, pensei que esse gosto talvez fosse pela água de coco, ou pela liberdade daqueles belos corpos que nasceram para andar ao sol, ou até mesmo pela alegria contagiante, típica daquela cultura. Também eu gostava de lá ir…quem sabe!?

 

A convicta Dani sempre disposta a ajudar os amigos e a mostrar a sua visão das coisas, referiu que tinha muitos destinos onde queria ir…o primeiro que mencionou foi logo Bora Bora na Polinésia Francesa…dizia que ”sem dúvida…pela sua paisagem paradisíaca, as suas águas, a cor…enfim já me imagino por lá.” E sabendo eu como ela é determinada…já a estava quase a ver comprar o bilhete de ida…vá e de volta, claro! Não quero que ela fique por lá! E quanto aos outros dois destinos que referiu gostar, foram a “Escócia…pelas paisagens verdes”…e Cuba, com a sua cidade de Havana situada no mar do Caribe, por ter uma cultura deveras diferente e que a fascinava conhecer. Queria ir passear para Edimburgo, Glasgow, Aberdeen…bem e se calhar até ir ver o famoso Nessie…o monstrinho de  Loch Ness e olha que também, estes destinos, eram uma escolha que me aprazeria fazer.

 

Mas para o espanto de todos nós, eis que surge o moderado, mas inesperado Armando com a sua ideia mirabolante…e diz ele “Route 66!” E pergunta logo o Jony…”isso é nos ‘States’, certo? Mas é exactamente como, por onde passas?” De facto não é um destino muito comum…mas prontamente o Armando continuou a falar nessa sua viagem de sonho…e nós ficámos todos atentos à sua explicação, sobretudo pela forma como ele entusiasticamente falava dela…”Não é que goste particularmente dos Estados Unidos”, dizia…”bem pelo contrário. Considero os norte-americanos demasiado arrogantes e até ignorantes. Ainda assim, fascina-me tentar fazer os 3755 km que compõem esta estrada. Obviamente tudo pelas antiguinhas estradas nacionais. Seria certamente uma aventura fascinante, visitando cenários do interior da América profunda, que só nos são dados a conhecer através dos filmes. Mas eles existem e merecem ser descobertos!”

 

A Dani e a Gaby, de tão animadas que estavam diziam, “continua! Fala-nos mais desse teu sonho, sim…” e ele lá continuou, dizendo que “a viagem parte do estado de Ilinois, mais propriamente da cidade do vento, Chicago e rasga os estados de  Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona, terminando no mais do que óbvio estado da Califórnia, mais especificamente na cidade de Santa Mónica.” Sim senhor, Armando tens tudo bem definido, pensei!

 

Mas, entretanto a Maria e a Manu interromperam para perguntar quem queria gelados e lá foram elas comprar gelados, para todos, ao mini-quiosque que existia no parque…e quando chegaram, já estava o Armando a terminar a sua testamentosa descrição da viagem. Ainda conseguiram ouvir que “…sendo realista, penso que esta viagem jamais se irá realizar, mas que se enquadraria numa aventura que mudaria uma vida, certamente que sim.” Pois, realmente deveria mudar, mas esta viagem não sei se eu a faria…apesar daquele entusiasmo que nos contagiou a todos.

 

Saboreando agora o seu Magnum diz o Manel, que costuma ser mais discreto e reservado, mas que também nos surpreendeu…“eu fazia um safari em África…é uma viagem de sonho, porque só em sonhos é que me vou lá meter” e riu-se ruidosamente provocando uma gargalhada geral e lá continuou dizendo que gostava de o fazer porque “é o contacto com a natureza de uma forma que não é possível, em mais lado nenhum.”…e por momentos fez-me lembrar a viagem de sonho do meu Zinho…era tal e qual. E verdade seja dita, eu também gostava muito de fazer esta viagem…estar a viver o que vejo todas as semanas nos programas da vida selvagem, tocar num elefante e até mesmo num leão, brincar com um gorila…isso sim seria um dos meus desejos mais profundos, mas impensável de concretizar…pois, queria que fosse mesmo na selva, no verdadeiro habitat deles, mas enfim, guardarei este sonho, tal como outros. Se bem que esta ideia quase que roça a viagem de sonho da minha Zinha à Amazónia…essa que nem consigo adjectivar de tão magnífica que deve ser. Porém voltei a prestar atenção ao Manel que ainda referiu gostar de ir a Las Vegas…pela sua enorme vontade de gastar muito dinheiro…dizia efusivamente que “Las Vegas é estar onde tudo é possível…e iria mudar a minha vida porque tenho a certeza que me iria sair o jackpot e ia sair com mais dinheiro do que aquele que tinha antes!”. Bem, desejo-lhe toda a sorte do mundo, mas penso que aquilo é muito movimentado para mim, contudo, aprendi a dizer “nunca digas nunca”…por isso, para mim, este destino fica em aberto.

 

Já a trincar a pastilha do seu Epá, a delicada Manu tinha e terá sempre um sonho muito compreensível e ternurento que é ir a Moçambique. Ela nasceu lá, mas veio muito nova para Portugal, diz ela que gostava de voltar lá “pelas memórias de infância que os amigos me fazem lembrar.” Deve ser um sonho muito puro, o de voltar à terra onde se nasceu, principalmente por ter uma cultura completamente diferente daquela em que se foi educada. Acredito e espero sinceramente que um dia ela realize este sonho, pois sei que é muito importante para ela.

 

Nesta altura já todos guardávamos os papéis e os pauzinhos dos gelados num saco plástico, para depois colocar no lixo…e foi quando a Bete falou. A Bete é uma guerreira e tem uma bondade imensa…a ver pela sua viagem de sonho, não preciso de a caracterizar mais…a sua ideia fala por si. ”Guiné-Bissau, mais propriamente a Dulombi…não tem praias, nem hotéis, nem museus, mas tem pessoas!” Ela já lá tinha estado no ano anterior e pelo que agora ouço tem muita vontade de voltar, mas com mais tempo…e dizia ela que “aquela magia das pessoas que me ensinaram uma linguagem universal…seja ela qual for…eu não entendia o dialecto de Dulombi mas nunca me esquecerei do esforço e da vontade diária que o Professor teve em ensinar-me como se diz - bom dia, como estás? (‘pindon’) e de me explicar o que significava ‘djarama’ (obrigado). Não me esqueço que enquanto lá estive, comunicámos com essa tal linguagem universal e que para além disso, da minha parte, apenas fiz o mais normal…saber o nome de cada um…mas aquela magia das pessoas que me fizeram perceber que para viver em paz é preciso tão pouco…contagiou-me e percebi como é viver afinal com o essencial. E agora entendo o quanto o conceito de essencial é relativo.” Talvez um dia eu vá contigo, pensei…talvez!

 

E assim fomos falando nas ideias de todos e de cada um. É tão engraçado como somos todos amigos, com sonhos tão distintos e como nos conseguimos surpreender ainda com as ideias de cada um. Bem, tínhamos as nossas viagens de sonho distribuídas por quase todos os cantos do planeta.

 

E eu? Chegara agora a minha vez de falar, mas em vez da humilde viagem aos países Asiáticos, que não quero deixar de conhecer, pela beleza da natureza que vejo nos postais, pela forma como a cultura é tão diferente da minha e sei que quando eu estiver lá, a pisar aquele chão e ver as pessoas à minha frente e a sentir que faço parte daquele postal ilustrado, vou finalmente acreditar que é real…bem, como ia dizendo decidi incluir nessa minha viagem…todas as outras!

 

Determinada nesta megalómana ideia cheguei a casa e comecei a traçar um roteiro com todos os destinos que falámos…ou melhor quase todos…até parecia já uma volta ao mundo de Júlio Verne. Não sei se seriam 80 dias? Mas que era uma viagem 8 em 1, isso era certo…8 viagens que eu iria fazer, de uma assentada…aquelas que me fizessem conhecer melhor os meus amigos…e viver com eles e por eles esses sonhos.

 

Não sei quanto tempo irei precisar, mas certo é que os destinos já eu estava a traçar.

 

Que seja esta - A Viagem - aquela que me permita conhecer um pouco melhor quem me rodeia, perceber o que é importante para cada um e o que realmente pode fazer a diferença e marcar uma vida. Irei sozinha? Certamente irei…mas talvez leve comigo um pouco de todos os imaginários. É esse o meu intuito, levá-los comigo, mesmo indo sozinha. Se eu pudesse, íamos todos. Eles sabem que é verdade. Mas o fantástico prémio que ganhei num concurso, no início do ano, cingia-se a uma viagem para vários destinos à minha escolha, que é fenomenal, mas só para uma pessoa, com muita pena minha.

 

Estou certa que esta será definitivamente uma viagem diferente, muito além de tudo que eu poderei imaginar…temo até que já tenha saudades dela, mesmo antes de a começar.

 

Empolgada e quase absorvida pela aventura a que me proponho, tenho inevitavelmente o pensamento atarefado e até ansioso.

 

Passados 2 meses, a minha partida está marcada para daqui a 8 dias, a bagagem quase pronta, mas o roteiro ainda carece de uns retoques, apesar de não o levar completamente definido…até porque algum sabor a surpresa, é bem apreciável e deixa-nos aquele gostinho de aventura, aliciante em qualquer viagem, quanto mais nesta.

 

Não vou viver os sonhos deles. O sonho nunca é roubado, pois só cada um é que consegue compreender e saborear aquilo que é seu, mas vou viver a minha viagem com cada um dos meus amigos, porque a verdadeira amizade também é querer ter um pouco de cada um, sempre comigo. É assim que penso…além de que não é uma qualquer viagem que nos marca e até que nos define…é simplesmente Aquela viagem! E esta vai ser!

 

Noka

 

 

O ali almejado será aqui vivido!

 

 

Era uma vez uma doce e bela princesa que vivia no Reino da ‘Vida é Bela’, onde nada de bom faltava e tudo que era mau estava afastado por uma ‘bemdição’ dos seus antepassados. Mas a princesa sentia-se entediada pela monotonia dos seus dias e desejava ter uma vida diferente. Queria ter outra liberdade, outra felicidade, como a das histórias que ouvia contar de outros Reinos, que mesmo não lhe parecendo tão afortunados, eram um alimento à sua vontade de mudar. A princesa sentia-se a navegar num mar de ondulação serena, que mais parecia um grande lago, onde todos remavam mediante a rota traçada e tudo ajudava a chegar ao destino já conhecido. 

Neste Reino jamais se pensava navegar ao sabor do vento e das ondas, como que em jeito de aventura. Afinal, nenhuma daquelas gentes sabia o que eram contratempos, nem entraves na vida. Tudo fluía com uma naturalidade sã. Tal como os cuidados e preocupações que todos tinham habitualmente para com a amada e protegida princesa. Mas esta redoma cor-de-rosa ateava cada vez mais a sua carência em atender às suas próprias vontades, desejos e anseios. Não era uma aventura, nem uma viagem ao desconhecido que procurava. Apenas desejava estar para lá da redoma, num lugar sem protocolos a cumprir, onde ela pudesse pôr e dispor da sua vontade e sem todos os olhares implicados nas suas acções. Enfim, queria ter outra vida.

 

E o seu desejo foi tão forte que um dia acordou num banco de um jardim, no centro de uma grandiosa e luminosa praça, repleta de outras gentes, diferentes, muito diferentes. Aqui, todos circulavam desordeiramente, apressados e alheados do seu redor e ao contrário do seu Reino, aqui ninguém a conhecia. Era uma perfeita desconhecida, como se fosse completamente invisível ao olhar dos demais transeuntes. Concentrou-se em cada pessoa que passava por si e de uma forma desinteressada todos se cruzavam no seu caminho, mas ninguém lhe falava. Sentiu-se estranhamente ignorada e sem importância. Tinha acabado de beber o seu primeiro gole de liberdade, daquela liberdade que tanto havia desejado. Aqui, podia fazer o que quisesse sem que, ali alguém a questionasse. Os dias foram passando…e a princesa continuava a admirar esta sua nova vida, livre e solta. Até aqui, havia deixado de ser a predilecta dos passarinhos, que vagueavam no arvoredo junto à praça. Era mais uma no meio de muitas mais gentes.

 

Por vezes, a princesa cantava às suas fadas, que sempre a acompanharam, o quão esta mudança lhe trazia uma felicidade fresca e palativamente leve, como se fosse uma constante brisa suave num dia de Verão. Mas um dia, ao entrar em casa, abriu a porta e deparou-se com toda a sua imagem reflectida num sumptuoso espelho, que tinha junto ao hall de entrada. Aquela imagem assustou-a! Um espelho tão grande para um único e singelo reflexo, o seu. E nem as suas amigas fadas eram projectadas naquela imagem.

 

O quadro, agora desenhado, era por demais solitário e a falta dos afectos começava a fazer-se sentir.

 

Caminhou mais adentro e chegou à sala, confortada com mobiliário moderno, de muito bom gosto, mas sentiu-a vazia de sentimentos. Era uma casa bem acomodada, embora despida e fria de histórias para contar. Por instantes, deu por si a recordar como eram deliciosas as histórias que cada canto do seu castelo, no Reino da ‘Vida é Bela’, tinha para contar. Reparou que em cima da mesa junto ao sofá de ‘chaise long’ estava a correspondência do dia, talvez tivesse sido a sua empregada, que já tinha saído, a colocá-la naquele sítio…não era o local habitual, mas esta era uma situação à qual não dava importância. Relevante sim, foi o facto de uma das cartas lhe ter despertado o que há muito ela sentia falta…e naturalmente esboçou um sorriso gigantescamente alegre, ao abri-la. Começou a ler a carta e as lágrimas faziam-lhe companhia a cada palavra que lia…era da sua família que estava longe!

 

Chorou copiosamente a par daquelas palavras lidas pelos seus sentimentos à flor da pele, pois lembravam-lhe a saudade enorme que tinha da família. Sentia a falta do abraço do pai, do carinho da mãe, das suas conversas, dos constrangimentos protectores que o seu irmão lhe fazia passar e até das intromissões das tias e dos trotes dos seus pequenos primos…enfim, do apego e das preocupações que todos tinham consigo…dessa falta de liberdade que um dia se queixara, mas que agora sentia que queria voltar a ter. Entendera agora que não era falta de liberdade, mas sim o cuidado e o amor de quem a amava. Aqui neste novo ‘castelo’ tudo lhe era estranho e por mais que tivesse, faltavam-lhe os afectos. Tudo o que tinha vivido até então fazia parte apenas do seu imaginário e nada mais era real. Via o seu futuro desgostosamente solitário e por isso essa sua felicidade fresca e leve, abriu a porta a ensejos densos e penosos. A princesa viu-se abalroada pelo desejo de voltar ao seu reino. E gentilmente o desejo foi-lhe concedido. Voltou e viveu feliz para sempre.

 

Talvez seja a mais breve história de encantar que contei, mas esta ou qualquer outra só existe nos livros e nas letras cantadas. A vida mundana não é assim. Todos os desejos e anseios que temos devem ser bem medidos. As nossas decisões podem muitas vezes mudar o caminho que nos direccionava um determinado futuro.

 

Futuro? Poderá o futuro estar já definido em vários caminhos? Ou cabe-nos a nós determiná-lo?

 

A vida é mesmo assim com inúmeros pontos de interrogação e de tamanhos muito diversos. E são as grandes interrogações que nos focam na vida. São elas que nos fazem criar o nosso próprio futuro. Atrás da resposta a uma interrogação, não nos surge apenas uma, mas sim muitas vezes uma encruzilhada de respostas possíveis, ou se não lhes quisermos chamar respostas, pois que sejam opções e muitas vezes ficamos confusos, qual delas escolher, que decisão tomar. Pois, cada uma vai implicar umas quantas outras, e assim é a vida.

Muitas dúvidas e hesitações nos acompanham e acompanharão ao longo da vida, devemos aprender a viver com elas, apesar da dificuldade desse facto, até porque todos passamos pela ‘idade dos porquês’. Uns mais pacientemente que outros. E assim aceitamos e vivemos as interrogações deste mundo.

Como seria a vida sem o grau de incerteza que a apimenta? Certo é que uma incerteza agradável estimula a vida. Mas por outro lado também pode ser sinónimo de angústia. Se nos debatermos com uma incerteza nefasta, que torne a vida tormentosa.

 

O futuro está mesmo já ali…ao virar da esquina, do outro lado da janela, ou até simplesmente a cada palavra dita, em cada respirar…a cada novo dia que nasce.

E se um dia também eu acordasse e tudo estivesse diferente? Tal como aconteceu com a princesa? Como que num simples abrir de olhos tudo fosse uma completa novidade. Tudo que eu conheci tivesse deixado de existir. Se a minha família fosse outra, se eu tivesse outro nome, outros amigos, até que vivesse noutro tempo? Tudo de outros, que não o meu!

Não! Nem quero pensar, eu gosto de tudo tal como está. De tudo que trago comigo.

 

Talvez seja por medo do desconhecido perfeitamente estranho, ou receio de uma possível vivência nefastamente perfeita. Se eu tivesse outra vida, até poderia ter outros proveitos, mas mesmo assim, quero continuar a viver a universalidade de tudo o que tenho, no presente, neste meu presente. Eu não quero viver no Reino da ‘Vida é Bela’, ou noutro majestoso lugar, quero viver no meu. Na minha pequena conquista de corações que me amam. Isso sim é o meu Reino. E ao contrário da princesa eu não tenho dúvida que é apenas aqui que quero estar.

Afinal, sou fruto de um passado construído por muitos e por mim também. E quero viver o presente na busca do meu futuro, desse que foi sendo construído com os alicerces de um pretérito que sempre sustentou os meus futuros comigos.

 

E afinal que tudo é esse que trago comigo?

É um tudo que veio dos primórdios, como o tudo de cada um de nós, mas que foi crescendo por caminhos díspares, uns paralelos, outros transversais e até mesmo alguns em ‘corta-mato’ e que por vezes se cruzaram entre si, mas que formaram o passado de cada um de nós. Um passado que nos marca toda a vida, a partir do qual podemos conduzir o presente rumo ao futuro.    

 

Um futuro! Eu tenho e eu quero um!

Mas afinal todos temos futuro. Ter um futuro é ter a certeza que existiu um passado e que é vivido um presente.

Mas, talvez nem todos queiram manter as suas vidas, tal como são vividas agora. Talvez preferissem estar no lugar da princesa e mudar de vida. Porém, mudar implica perda, e por vezes perdas que nunca mais se voltam a ganhar. Nesta vida real não há desejos concedidos. A vida não é feita de ‘era uma vez’, nem de ‘viveu feliz para sempre’. Mas por vezes a vida permite ter a tal segunda oportunidade, e que ela nunca seja desperdiçada.

 

Cada um de nós tem que procurar e lutar pelo que realmente quer e por mais que seja difícil ultrapassar as batalhas da vida, acreditem que é por todas as pequenas conquistas que se consegue vencer cada uma e é por cada batalha que se irá alcançar a vitória da vida!

 

Para a princesa a senda da vida era realmente o amor, tendo deixado a marinar a liberdade que um dia tanto ansiou. E para todos nós, gentes de todos os Reinos do aqui e do ali, há uma senda, um lema, uma razão pela qual devemos sempre lutar.

O futuro está já ali…sim, é mesmo ali e está ali à mão…à mão da nossa vontade de viver!

 

 

 

Às Gentes de todos os Reinos do aqui e do ali

O tudo que sempre queremos, nunca será suficientemente grande para albergar a nossa vontade de ser feliz. Faltará sempre satisfazer uma vontade que seja. Que essa vontade possa ser qualquer uma, que nunca o desejo de termos em nós, o nosso eu sem estirpes ancestrais. É a elas que devemos o que somos e é com elas que viveremos para contar a nossa história. Rogo-vos que cunhais a vossa vida com a marca do amor e que nunca percam as raízes que vos prendem, aqui ao presente e que vos sustentam, ali o futuro.

                        [carta da Princesa noka] 

 

 

Noka

 

 

Não invento as palavras...apenas as aconchego à minha maneira!

 

 

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